Decisão dispõe sobre cláusulas da base de cálculo de aprendiz e PCD
Decisão TRT 11 (Amazonas). Validade das Cláusulas da CCT que adequam a base de cálculo das cotas de aprendiz e PCD.
A controvérsia promovida por meio da presente ação diz respeito à possibilidade, ou não, da exclusão do número de trabalhadores que ocupam a função de vigilante da base de cálculo das vagas a serem preenchidas por aprendizes (Cláusula 27ª) e à circunscrição das pessoas com deficiência ao âmbito administrativo das empresas (Cláusula 31ª)
Vejamos.
Em relação à cota legal de contratação de aprendizes, dispõe artigo 429 da CLT:
"Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional." - grifei
Por sua vez, o Decreto nº 9.579/2018, que entre outras disposições, regulamenta a contratação de aprendizes, é taxativo quanto às funções a serem excluídas da base de cálculo para fins de contratação de aprendizes. Neste sentido, dispõe o parágrafo 1º do artigo 52 do Decreto ora em comento que:
" § 1º Ficam excluídas da definição a que se refere o caput as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do disposto no inciso II do caput e no parágrafo único do art. 62 e no § 2º do art. 224 da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.”
Verifique-se, ainda, que o parágrafo 2º do mesmo artigo dispõe que "Deverão ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos".
Todavia, tal não deve ser o entendimento quando se trata da contratação de aprendizes para a função de vigilantes, ainda que a idade do aprendiz seja superior a 21 anos. Vejamos.
É certo que a Lei nº 7.102/1983 (que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências), em seu artigo 16, II, dispõe que a idade mínima para o exercício da função de vigilante é de 21 anos, sendo que a CLT, em seu artigo 428, prevê a faixa etária de 14 a 24 anos para fins de contrato de aprendizagem.
Todavia, o exercício da função de vigilante, justamente por envolver situações de risco acentuado, tal como a utilização de armas de fogo, requer uma preparação mais específica do contratado.
Neste sentido, a própria Lei nº 7.102/83, em seu artigo 16, IV e V, prevê, como requisito para o exercício da função de vigilante, a aprovação em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos da lei, bem como ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico.
Assim, entendo como incompatível o exercício da função de vigilante por aprendizes, pela própria natureza da atividade. O exercício da função de vigilante requer maturidade do exercente, tanto para lidar com o porte de armas quanto para conviver com pessoas na mesma situação. E pelo que o próprio nome indica, um aprendiz não carrega a maturidade necessária.
A exposição a este ambiente, bem como a situações de perigo que a atividade vai proporcionar, é prejudicial inclusive à formação e desenvolvimento psíquico, moral e social. Assim, a autorização para o exercício da função de vigilante por aprendizes, ainda que maiores de 21 anos, contraria as disposições expostas no artigo 403, parágrafo único, da CLT, o que é corroborado pelo disposto no art. 53, I, II e III, do Dec. nº 9.579/2018, verbis:
"Art. 53. A contratação de aprendizes deverá atender, prioritariamente, aos adolescentes entre quatorze e dezoito anos, exceto quando:
I - as atividades práticas da aprendizagem ocorrerem no interior do estabelecimento e sujeitarem os aprendizes à insalubridade ou à periculosidade, sem que se possa elidir o risco ou realizá-las integralmente em ambiente simulado;
II - a lei exigir, para o desempenho das atividades práticas, licença ou autorização vedada para pessoa com idade inferior a dezoito anos; e
III - a natureza das atividades práticas for incompatível com o desenvolvimento físico, psicológico e moral dos adolescentes aprendizes." - grifei
Neste mesmo sentido, já se pronunciou o C. TST, conforme aresto baixo reproduzido:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. AUTO DE INFRAÇÃO. NULIDADE. CONTRATAÇÃO DE MENOR APRENDIZ. EMPRESA DE VIGILÂNCIA. ATIVIDADE DE RISCO. Não obstante o artigo 429 da CLT disponha que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a contratar menores aprendizes no percentual de cinco a quinze por cento, os demais dispositivos que também tratam da matéria demonstram a preocupação do legislador em compatibilizar a exigência prevista no mencionado artigo da CLT com o local e as atividades que serão desenvolvidas pelo menor aprendiz. É inconteste a importância que foi relegada ao adequado desenvolvimento físico, moral e psicológico do aprendiz menor de idade na realização das atividades práticas de aprendizagem, ou seja, o aplicador do direito deve nortear-se pelo afastamento do exercício de atividades inadequadas e em locais que coloquem em risco a saúde do menor aprendiz. As empresas de segurança privada, de segurança eletrônica, de cursos de formação e transporte de valores desenvolvem atividades caracterizadas, de forma irrefutável, como de risco e, consequentemente, em ambientes impróprios ao convívio de menores aprendizes. Nesse contexto, é certo afirmar que não há permissão para, no caso vertente, impor a contratação de menores aprendizes. Assim, não merece reforma a decisão do Regional que manteve a sentença que declarou nulo o auto de infração lavrado pela fiscalização do trabalho com o objetivo de exigir da empresa de vigilância o cumprimento da contratação de menor aprendiz. Precedentes desta 8ª Turma." (AIRR - 1033-81.2010.5.20.0005, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Data da Publicação: DEJT 25/11/2011 - grifei)
Dessa feita, não vislumbro ofensa ao ordenamento jurídico em cláusula coletiva que, no cálculo de contratação de aprendizes, exclui da base de cálculo os vigilantes, armados e/ou desarmados, e de transporte de valores. Ao revés, tal inserção busca promover a segurança e bem-estar dos futuros profissionais que ingressarão no mercado de trabalho.
Já em relação à Cláusula Trigésima Primeira, que trata da admissão de pessoas com deficiência (PCD), tem-se que o art. 93 da Lei nº 8.213/91 é literal ao obrigar as empresas ao preenchimento das cotas de PCD's e reabilitados, observada a quantidade de trabalhadores empregados, sob pena de autuação pelos órgãos de fiscalização do trabalho. Eis o teor do aludido dispositivo:
"Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados................2%;
II - de 201 a 500.....................3%;
III - de 501 a 1.000..................4%;
IV- de 1.001 em diante................5%."
Não obstante, entendo que tal dispositivo de lei deve ser interpretado levando-se em consideração as peculiaridades materializadas no caso concreto. No caso dos autos, entendo que as empresas que atuam no ramo da vigilância privada, regida pela Lei nº 7.102/83, devem observar normas especificas no tocante ao exercício da profissão de vigilante, sendo obrigatória a aprovação em curso de formação de vigilante, envolvendo matérias relativas à defesa pessoal, armamento e tiro, entre outras, além de aprovação de exames de saúde física, mental e psicológica, de modo que as referidas habilidades exigidas no curso de qualificação para vigilantes revelam-se incompatíveis, na maioria das vezes, com as restrições de uma pessoa portadora de necessidades especiais.
Assim, considero plausível privilegiar o disposto na norma coletiva ora impugnada, que definiu, quando da admissão de pessoa portadora de deficiência física, habilitada ou reabilitada, que a empresa contratante tomará como parâmetro, a exemplo do que ocorre na contratação de policiais (Art. 37, VIII/CF), o dimensionamento relativo ao pessoal da administração.
Aliás, vê-se que a Cláusula em apreço trouxe uma ressalva a esta limitação, para os casos de "... comparecimento de profissionais atendendo a publicação da empresa, que comprove ter curso de formação de vigilante, e que porte Certificado Individual de Reabilitação ou Habilitação expedido pelo INSS, que indique expressamente que está capacitado profissionalmente para exercer a função de vigilante (art.140 e 141 do Decreto nº 3048/99)" - grifei, o que se mostra razoável e indica que os sindicatos convenentes não tem por objetivo promover tratamento discriminatório aos portadores de deficiência, senão uma adequação da lei aos casos em que o PCD atenda a determinados requisitos para desempenhar a função de vigilante com segurança.
Corroborando as conclusões supra, trago à colação aresto da lavra da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do C. TST:
"RECURSO ORDINÁRIO - AÇÃO ANULATÓRIA - CLÁUSULA 16 - CONTRATAÇÃO DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA HABILITADO OU REABILITADO - SERVIÇO DE VIGILÂNCIA É válida cláusula convencional que altera a base de cálculo da reserva legal de vagas de pessoas com deficiência (art. 93 da Lei nº 8.213/1991) para cargos compatíveis com suas habilidades, em atenção à realidade do setor. Valorização do instrumento autônomo, nos termos do art. 7º, XXVI, da Constituição da República. Recurso Ordinário conhecido e desprovido." (TST - RO-CSJT: 766420165100000, Relator: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 13/03/2017, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 11/04/2017 - grifei)
Adotando idêntico entendimento ao ora versado, manifestou-se a d. 2ª Turma deste E. TRT da 11ª Região quando do julgamento do Recurso Ordinário 0011728-02.2013.5.11.0018, nos seguintes termos:
"CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE DEFICIÊNCIA FÍSICA OU REABILITADOS. PERCENTUAL MÍNIMO. INCIDÊNCIA SOBRE CARGOS PASSÍVEIS DE PREENCHIMENTO. A legislação determina que as empresas devem observar um percentual mínimo de contratação de pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, ou beneficiárias reabilitadas (PCDs), em relação ao número de empregados efetivos. No entanto, diante da dificuldade que os empregadores enfrentam para encontrar mão de obra qualificada ou pessoas aptas a atuarem em seus ambientes de trabalho de maneira digna, a regra legal deve sofrer uma interpretação isolada, voltada ao caso concreto, em certos ramos de atividade, onde a maior parte dos funcionários é composta por possuidores de requisitos e habilitações específicas. Assim, a exigência do percentual mínimo previsto na Lei n. 8.213/91 deve ser referente ao total de empregados que desenvolvam funções possíveis de serem executadas por portadores de necessidades especiais. Recurso da União conhecido e não provido." (TRT-11 RO 0011728-02.2013.5.11.0018, 2ª Turma, Relatora: RUTH BARBOSA SAMPAIO, Data da Publicação: DEJT 4/5/2015 - grifei)
Diante dessas considerações, data venia, não merece acolhida a irresignação do Parquet, em vista da ausência de afronta à ordem jurídica em relação às cláusulas coletivas objeto de apreciação.
Esclareço, por oportuno, que a negociação coletiva que deu origem às cláusulas ora impugnadas foi registrada junto ao extinto Ministério do Trabalho e Emprego em 2 de abril de 2018, já na vigência, portanto, do art. 611-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/2017, que normatizou a regra de que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei, exceto quanto às matérias vedadas no art. 611-B também da CLT, o que não é a hipótese dos autos, de modo que o regramento coletivo tem aptidão legal para produzir seus efeitos, nos termos do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988.
(...)
Ante o exposto, admito a presente ação anulatória de cláusula coletiva, mas a julgo improcedente, nos exatos termos da fundamentação.