Mudar CLT vai ajudar o país a crescer
Se o Brasil quiser aumentar a estagnada e baixa produtividade da economia e voltar a crescer de maneira sustentável tem que enfrentar o desafio de mudar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943, apontaram especialistas que participaram na última terçafeira do segundo encontro “E agora, Brasil?”, sobre legislação trabalhista, promovido pelo GLOBO com apoio da Confederação Nacional do Comércio (CNC), na Maison de France. O debate reuniu dois dos maiores especialistas em relações de trabalho: José Pastore, sociólogo e professor da Universidade de São Paulo, e José Márcio Camargo, professor da PUCRio e economista chefe da Opus Gestão de Recursos, mediados pelos colunistas Míriam Leitão e Merval Pereira, e com a presença de colunistas e editores do GLOBO.
— O maior problema da legislação trabalhista é que ela gera incentivos à diminuição da produtividade. (...) O crescimento depende de investimento em capital humano, capital físico e progresso tecnológico. Se quer crescer, tem que aumentar produtividade. Sem ganhos de produtividade, não tem crescimento a longo prazo — destacou Camargo.
Na avaliação de Pastore, o empresário vive “o medo de empregar”, diante da insegurança criada pela legislação trabalhista:
— Hoje no Brasil faltam as duas coisas: investimentos e segurança para empregar.
O time de colunistas e editores do GLOBO presentes no encontro incluiu, além de Míriam e Merval, Ancelmo Gois, Lauro Jardim, Jorge Bastos Moreno, Ilimar Franco, Ricardo Noblat, José Casado, o diretor de Redação do GLOBO, Ascânio Seleme, o editor executivo Paulo Motta, os editores Aluízio Maranhão (Opinião), Flávia Barbosa (Economia), Alan Gripp (País) e os chefes das sucursais de São Paulo, Aguinaldo Novo, e de Brasília, Sergio Fadul.
‘INFERNO TRABALHISTA’
A complexidade da legislação é tanta que Camargo classifica o conjunto de leis de “o inferno trabalhista”. Segundo ele, o excesso de regras afasta investimentos e dificulta o conhecimento do real custo do trabalho pelas empresas. Como exemplo, citou que o Brasil recebe quase o mesmo montante de investimentos estrangeiros que o Chile, um país de dimensões muito menores. Além disso, apontou que nações como o próprio Chile, China, Coreia, Taiwan, Tailândia, Colômbia e Peru acabam aparecendo como alternativas ao Brasil, e um dos motivos é a falta de segurança jurídica sobre a contratação do trabalhador.
— O Brasil conseguiu criar o inferno trabalhista. Ninguém investe aqui. A legislação trabalhista brasileira é um emaranhado de coisas difíceis de entender. Ninguém consegue respeitar integralmente. Isso significa que investir aqui tem uma incerteza enorme — diz Camargo.
Os especialistas destacaram algumas mudanças fundamentais. Para José Pastore, a negociação do pagamento e cálculo de horas extras, a terceirização e o uso de câmaras de arbitragem na área trabalhista são os três pontos principais:
— Essas três coisas estão amadurecidas. E também há outras que podem ganhar fôlego, como o projeto de lei que permite a criação do trabalho intermitente.
A legislação estabelece 50% de acréscimo no pagamento das horas extras em dias úteis e 100% aos domingos e feriados.
Camargo também inclui a terceirização como medida fundamental da reforma trabalhista. Ele é contra a forma como o FGTS é pago ao trabalhador na hora da demissão, como “um prêmio ao demitido”. Ele defende que o FGTS seja uma poupança para a aposentadoria. Outro ponto é a mudança no papel da Justiça do Trabalho, que tem poder normativo e de negociação. Para ele, o ideal é que ela se preocupe somente em garantir o cumprimento da legislação. Camargo disse que essa situação faz com que as negociações ocorram no fim do contrato e não no início dele:
— O empregador não treina o funcionário porque sabe que ele pode se demitir a qualquer momento. E incentiva o trabalhador a se demitir, porque só assim ele vai receber. Não faz sentido. Isso gera uma enorme incerteza em relação ao custo do trabalho. E o demitido não pode ser premiado com o FGTS. Isso gera um incentivo errado.
Essas regras, segundo o professor da PUCRio, acabam provocando a alta rotatividade no mercado de trabalho. Apesar da rigidez da lei, os salários oscilam muito, diz Camargo. Já Pastore afirma que a negociação, de acordo com os estudos do governo, vai se limitar a jornada e salários:
— Não se trata de negociar acima da lei. É negociar uma coisa diferente da lei.
Para Ascânio Seleme, o debate mostrou a complexidade da legislação trabalhista e a urgência da reforma para adaptála aos tempos atuais:
— Estamos com mais de 11 milhões de desempregados no país e a atual legislação não favorece a criação de vagas. José Pastore e José Márcio Camargo, dois profundos conhecedores do mercado de trabalho, mostraram como ela impede o aumento da produtividade do país.
Ivo Dall’Acqua Júnior, diretor da CNC, disse que o assunto pode parecer antipático, mas que faz parte do processo de amadurecimento de uma sociedade discutir essas questões:
— Um comportamento protecionista levou o Brasil a ter uma legislação tão cheia de detalhes. Isso prejudica o país e o povo brasileiro.
No debate, Míriam Leitão lembrou que uma das preocupações ao mudar a legislação é não “expor ainda mais os mais vulneráveis”, como é o caso dos trabalhadores que são encontrados em situação análoga à de escravos:
— Já li relatórios de fiscais para saber o que chamam de trabalho escravo. Ali tem servidão por dívida, igualzinho aos livros de Jorge Amado — disse a colunista.
Pastore admitiu que há absurdos, “como negar água potável ao trabalhador”, e disse que “uma grande parte dos milhões e milhões de processos na Justiça trabalhista decorre de violação real”. Ele questionou, no entanto, a classificação do que é considerado trabalho escravo:
— A questão do trabalho escravo precisa ser combatida, mas precisamos tratar do que se considera trabalho escravo de maneira genérica.
OPORTUNIDADE NA CRISE
O diretorgeral da Infoglobo, empresa que edita os jornais O GLOBO, “Extra” e “Expresso”, Frederic Kachar, destacou que o 28/08/2016 Mudar CLT vai ajudar o país a crescer momento é pertinente para o debate e a crise pode ser uma oportunidade para “resolver pendências que estão paradas há muito tempo”:
— Estudos mostram que andamos de lado na produtividade há 30 anos ou mais e muito disso está ligado à legislação trabalhista confusa, que gera insegurança jurídica e impede que o empresário tenha visibilidade do que vai acontecer com os investimentos.
O colunista Merval Pereira prevê que o debate será tão intenso no Brasil quanto foi na França, mas acredita que será possível concluir as mudanças:
— A França foi um exemplo. Foi uma confusão, houve brigas na rua, passeatas, mas no fim conseguiram fazer (a reforma). É o que a gente vai enfrentar nesse debate.
O GLOBO